Entre Retratos e Paisagens – Deolinda Aguiar

dez 2013

QUALCASA
São Paulo . SP

ROUPAS QUE ANDAM SOZINHAS

Roupas


Estamos vestidos do primeiro ao último momento de nossas vidas. As roupas são membranas que nos protegem e separam do mundo, cascas intimamente ligadas ao corpo que inevitavelmente apreendem suas marcas. Estão impregnadas de cheiros,  aderem ao formato, brincamos que, de tanto uso, algumas andam por aí sozinhas.  Tornam-se imantadas. Se desfizéssemos as tramas desses tecidos, retirássemos sua utilidade de vedar, o que as fibras que sobrassem revelariam? É lá no interior dos fios que se escondem as lembranças? Onde ficam os gestos que se foram, o sol que tomamos. O suor de todo o trabalho pra onde vai?

Autorretrato


Existem muitas maneiras de se fazer um autorretrato. Fotografar-se em frente a um espelho é apenas uma delas. É possível falar de si mesmo contornando o próprio semblante. Assim como se apresenta nítido o corpo na cama vazia, no espaço vago na mesa de jantar, muita coisa se desenha nos objetos pessoais que foram elegidos, mantidos com apreço e depois deixados.  Mesmo com o corpo do artista ausente é possível falar da sua subjetividade. As vezes é  até mais honesto, brutal e direto evitar o próprio corpo e apresentar outras evidências.

Mundos


A representação já foi diferente. A tela era uma janela para uma virtualidade, depois se tornou superfície, a coisa em si mesma.  Mais adiante ela passou a negociar um espaço em comum fazendo um trânsito entre dois mundos. A obra de arte então faz alusão a um mundo de significados depois retorna  ao mundo em comum. Quatro bolsos que restaram de um casaco são justapostos e formam uma paisagem. Depois voltam a ser apenas bolsos que antes se escondiam e foram revelados. Um cinto antes que contornava o volume da cintura se planifica em linha e torna a ser apenas um cinto. Mas eis que algo impossível acontece na sala, animadas pelo mundo de lá, as roupas andam sozinhas.

Marcelo Amorim