Cama de Gato
13/04/2024 a 11/05/2024
no Edifício Vera
Rua Álvares Penteado, 87
Centro Histórico
Realização:
Hermes Artes Visuais
Cama de Gato
13 anos de atuação do Hermes Artes visuais
Cama de gato consiste em um jogo. Nele, faz-se necessário um fio de barbante cujas pontas são entrelaçadas por um nó. A partir daí, é proposto um emaranhado de linhas que resulte em formas presas aos dedos e sustentadas entre as duas mãos. Em seguida, essa tecitura é passada para as mãos de outra pessoa, mudando a forma inicial para, então, propor outras.
Lembro que, quando criança, nos reuníamos na calçada de casa em roda, e o emaranhado de linhas era passado de mãos em mãos. A brincadeira só acabava quando algum adulto alertava para o passar das horas. Na minha memória, já muito editada, persistiu o resíduo de uma experiência que não se valia apenas de não desfazer as elaborações formais, mas de um momento de muitas conversas, trocas, risos e até mesmo algumas briguinhas. Diferente dos adultos, que se sentam e conversam, crianças brincam e conversam.
A partir de seu caráter lúdico, acrescento que cama de gato faz-se também pelas transmissões, revezamentos, elaboração e passagem de padrões adiante em idas e vindas, doação e recebimento, modelagem de formas sustentadas entre as próprias mãos, compartilhamento de experiências, criação de narrativas. Enfim, estar junto. Arrisco pensar que, seja no plano da brincadeira, fora dos ditames da teologia, das categorias estabelecidas e da funcionalidade, podemos vislumbrar outros mundos.
Resgatando Donna Haraway, cama de gato assemelha-se a um sistema biológico que conceitua como simpoiese, que designa como algo produzido coletivamente, sem limites espaciais ou temporais autodefinidos. Todas as informações e controles são distribuídos entre os envolvidos. Nisso, é aceito o risco da contingência.i
E assim se faz, há 13 anos, o Hermes Artes Visuais. Como na cama de gato, um fio vai se emaranhando em encontros, trocas de experiências, formas feitas, desfeitas, refeitas, diálogos, movimentos, entrelaçamento de narrativas, possibilidades de encontros e desencontros, de estar e fazer junto. Ali, como no jogo, há a abertura para dar e receber padrões mas, também, soltá-los. O Hermes, ao longo de suas atividades conduzidas pelos artistas Carla Chaim, Marcelo Amorim e Nino Cais, vem propondo a retransmissão de conexões que importam. Cada pessoa, ali presente, tem a chance de receber os fios e passar adiante formas que se fazem uma a uma.
Aliás, a forma está longe de se encerrar em uma unidade coerente, uma estrutura ou entidade autônoma restrita a leis internas. Ao contrário, ela é apenas uma parte na totalidade de outras formas existentes. Como define Nicolas Bourriaud, “a forma só assume sua consistência (e adquire uma existência real) quando coloca em jogo interações humanas; a forma de uma obra de arte nasce de uma negociação com o inteligível que nos coube”.ii Por meio dela, o artista inicia um diálogo. O Hermes torna-se, então, esse território aberto ao imponderável, àquilo que não se inscreve de antemão. Nenhum artista chega com uma obra que não possa se desdobrar, virar outra coisa, ganhar novas camadas, diferentes narrativas. Ali, cria-se uma teia em que todas as pessoas, como num acordo tácito, optam por apoiarem-se, caminharem juntas.
Nesse emaranhado de linhas, a exposição Cama de Gato reúne os artistas Adriana Amaral, Alan Nielsen, Dip, Alexandre Frangioni, Ana Val, André Ianni, Caio Borges, Cali Cohen, Camila Boranga, Carlos Monaretta, Chiara Sengberg, Cynthia Loeb, Daniela Schiller, Daniela Torrente, Débora Amaral, Duda Breda, Ellion Cardoso, Fernanda Carvalho, Fernanda Luz Avendaño, Flavia Renault, Giovanna Maria, Helena Malnic, Ilka Lemos, Jade Gomes, Juliana Cunha, Juliana Monteiro, Kika Simonsen, Lana Moraes, Leo Damonte, Liane Roditi, Luana Lins, Maria Lucia Simonsen, Lu Borges, Luiza Lavorato, Magali Camacho, Malu Tigre, Maria Barbosa, Maria Renata Pinheiro, Michelle Rosset, Miriam Bratfisch Santiago, Nadira Yanez, Ósi, Dita Jun, Renato Palmuti, Roberto Unterladstaetter V., Rosana Pagura, Saulo Szabó, Sheila Kracochansky, Simone Dutra, Simone Fontana Reis, Suelen Lima, Suely Bogochvol, Susy Miranda Aziz, Vitor Martins Dias, Yohana Oizumi e Yumi Shimada.
Num mundo regido por um sistema neoliberal que proclama (grita!) a todo instante o individualismo, a autossuficiência, a rigidez de modelos pré-estabelecidos, o controle dos corpos, colocar-se presente no contingencial é fazer-se a partir da escuta atenta e relacional com o outro, é permitir-se desfazer o já feito, é compreender aquilo que Mario Pedrosa chamava de “a missão regeneradora da arte”, que seria a de “dar estilo a uma época e transformar os homens, educando-os a exercer os sentidos com plenitude e a modelar as próprias emoções”.iii
Esse exercício pleno dos sentidos é proposto a cada atividade do Hermes quando pessoas se sentam ao redor de uma mesa e, na transversalidade desse gesto, compactuam compartilhar suas dúvidas, inquietações, ideias, conceitos, compreensões de mundos, angústias, afetos, processos. Ali é tecida, coletivamente, uma simpoiese que se abre para múltiplas possibilidades, fazendo transbordar, pela arte e seus diálogos, a nossa capacidade de nos transformar e esperançar outros mundos.
i Haraway, Donna J. Ficar com o problema: fazer parentesco no Chthuluceno. Tradução Ana Luiza Braga. São Paulo: N-1 edições, 2023.
ii Bourriaud. Nicolas. Estética relacional. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
iii Arantes, Otília (org.). Acadêmicos e modernos: textos escolhidos III/ Mário Pedrosa. São Paulo: Edusp, 2004.
Carol Soares
{ FICHA TÉCNICA }
Artistas:
Adriana Amaral, Alan Nielsen, dip, Alexandre Frangioni, Ana Val, André Ianni, Caio Borges, Cali Cohen, Camila Boranga, Carlos Monaretta, Chiara Sengberg, Cynthia Loeb, Daniela Schiller, Daniela Torrente, Débora Amaral, Duda Breda, Ellion Cardoso, Fernanda Carvalho, Fernanda Luz Avendaño, Flavia Renault, Giovanna Maria, Helena Malnic, Ilka Lemos, Jade Gomes, Juliana Cunha, Juliana Monteiro, Kika Simonsen, Lana Moraes, Leo Damonte, Liane Roditi, Luana Lins, Maria Lucia Simonsen, Lu Borges, Luiza Lavorato, Magali Camacho, Malu Tigre, Maria Barbosa, Maria Renata Pinheiro, Michelle Rosset, Miriam Bratfisch Santiago, Nadira Yanez, Ósi, Dita Jun, Renato Palmuti, Roberto Unterladstaetter V., Rosana Pagura, Saulo Szabó, Sheila Kracochansky, Simone Dutra, Simone Fontana Reis, Suelen Lima, Suely Bogochvol, Susy Miranda Aziz, Vitor Martins Dias, Yohana Oizumi, Yumi Shimada.
Curadoria:
Carla Chaim, Marcelo Amorim e Nino Cais
Texto crítico:
Carol Soares
Realização:
Edifício Vera
Abertura:
13 de abril, das 11h às 17h
Visitação:
de 13/04 à 11/05, de quinta e sexta, das 14h às 18h, e aos sábados das 11h às 17h
Edifício Vera
Rua Álvares Penteado, 87
Centro Histórico
São Paulo