Floema – Simone Moares
abr 2016
QUALCASA
São Paulo . SP
“(...) penso que alguém está dentro de mim, não alguém totalmente desconhecido, mas alguém que se parece a mim mesmo, que tem delicadas excrescências, uns pontos rosados, outros mais escuros, um rosado vermelho indefinido, e quando chego bem perto dos pequenos círculos, quando tento fixá-los, vejo que eles têm vida própria, que não são imóveis como os poros de Mirtza, que eles se contraem, se expandem, que eles estão à espera... de quê? De meus atos. Não meus atos cotidianos, nada disso de se levantar da cama, tomar resoluções, banho, caminhar, não é nada disso, talvez em alguns dias, quem sabe, esses pequenos atos se encadeiem de modo me levar ao grande ato, não sei, preciso refletir mais demoradamente”(...) Osmo - Hilda Hilst
Vamos abandonar a escala humana. Agora estamos falando de estruturas e processos microscópicos. Eles não findam, acontecem neste exato momento. São vitais mas invisíveis a olho nú. Vê-se aqui, através do que chamamos de obras de arte, indícios desse movimento que ocorre inicialmente em camadas muito profundas. Amplificam o que é abstrato.Tentam traduzir em forma, o que é fluxo.
Assim como na observação de lâminas microscópicas aqui a transparência é também fundamental. Para ser observado o tecido é submetido a cortes finíssimos após seu congelamento em parafina. Depois de cortado é fixado para não se deteriorar e então corado. Não há muita cor. A cor é somente necessária para tornar a estrutura visível ao olho humano. Cor de marfim. Osso.
Animal ou vegetal, os desenhos parecem advindos das lâminas próprias ao estudo do tecido biológico. Imagens parecidas com aquelas resultantes da observação feita através do microscópio. Tecido vivo. Em constante movimento e articulação pela vida.
Não é o desenho, mas o desenhar. Uma grande coleção de lápis gastos até o momento que se tornam inúteis ao desenhista. Pilhas de cadernos ilustrados com pequenos círculos, desenhos delicados que não foram feitos em um dia apenas. Enquanto a artista dá dezenas de nós em pedaços de látex sublinha o gesto do nó. Então o látex estraga. A cera de abelha recende. O fio de lã esmaece.
Em todo caso o mais importante é a condução de um estado a outro, nunca o resultado. Não é planejado mas não há como evitar. Existe sim uma concentração enorme vinda de dentro e que precisa encontrar o fora para que então haja equilíbrio entre os meios.
O corpo inteiro trama a lã em tecido. Não se trata do corpo da artista mas de um corpo artista. Talvez no próprio corpo exista um lugar onde há a emergência da arte. Talvez ela borbulhe dos tecidos celulares, rompendo de dentro para fora.
Marcelo Amorim
Simone Moraes, 1970, artista visual. Pesquisa o resgate de uma memória pessoal através de criações de formas orgânicas, repetições e sobreposições. Busca em materiais a transformação do envelhecer, assim utiliza-se de papéis, ceras, borrachas, panos, diários, objetos antigos, que se configuram em instalações, livros, objetos, fotografias. Desde 2013, coordena a Casa Fonte, juntamente com Marcelo Amorim e Nino Cais, espaço dedicado à produção e residências em artes visuais. Atualmente, frequenta grupos de estudos com Galciani Neves e Vitor Cesar, no Instituto Tomie Ohtake, e no Hermes Artes Visuais, com a orientação de Nino Cais e Marcelo Amorim.