Reza Densa, Marcelo Brasiliense
HERMES ARTES VISUAIS
São Paulo . SP
Como conclusão de seu período como residente no Hermes Artes Visuais, Marcelo Brasiliense apresenta a exposição "Reza Densa", com texto de Paulo Gallina.
Marcelo Brasiliense: o que venerar.
Por Paulo Gallina
“Pois aqui está uma outra verdade: nas trincheiras cotidianas de uma vida adulta, não existe isso de ateísmo. Não existe isso de não venerar. Todo mundo venera. Nossa única escolha é o que venerar. (...) De certo modo, todo mundo já sabe disso – está codificado em mitos, provérbios, clichês, máximas, epigramas, parábolas; no esqueleto de toda boa história. O segredo é manter a verdade na superfície da consciência em nossas vidas cotidianas.”
Isto é água, David Foster Wallace.
O mineiro Marcelo Brasiliense é um iconoclasta, um destruidor de imagens sacras por assim dizer. Ao confundir em suas colagens o conceito de sagrado com o profano: ao sagrar o ordinário e profanar a mítica histórica do presente; o artista invade a alta cultura com as cores mais vivas que habitam as ruas. Subvertendo regras cultas para produzir contato entre as gentes. Ao cabo de seu movimento de destruição da sacralidade da tradição das imagens que chegaram ao presente, o artista parece conseguir soltar os sujeitos – que observam – das amarras históricas que construíram o presente.
Na somatória de suas partes, as colagens de Marcelo Brasiliense produzem experiências belas – mais, talvez, do que simplesmente imagens belas. Veja-se a obra Patriots Wearing Phrygian Clothes c. 1793 (2020): tomando por base um estudo de manequins do século XVIII, o artista fez dos homens, criaturas desproporcionais e caricatas, dançando sobre um papel cor de rosa [intenso], roto e amassado. A cena apela à vaidade do observador e desfigura a simetria sugerida apenas para, a seguir, revelar a beleza da delicadeza do gesto dos personagens, contraposta ao fundo etéreo.
Por fundo no conjunto da obra deste artista mineiro pode-se ver um elogio aos observadores atentos. Um sorriso discreto de canto de boca, por assim dizer. Criando imagens com narrativas incompletas, Marcelo Brasiliense obriga que os sujeitos criem junto dele: completando o que se vê, criando significados. Afinal, o que os Patriots Wearing Phrygian Clothes estão celebrando? Que momento mágico é este apresentado que faz seres humanos habitarem um ambiente de pura luz?
A verdade é que, talvez, algumas respostas não sejam imprescindíveis, ainda assim responde-las fará o sujeito diante da imagem formular sua liturgia. A colagem servindo como um espelho de sua veneração: daquilo que se é capaz de ver mesmo diante da imagem do mundo, todo ele. Um espelho que perpassa sua vaidade e mostra-lhe apenas o que cada um é capaz de ver. Finalmente, aos observadores atentos, perceber-se-á o que se venera. Talvez, para se aceitar os novos deuses do século XXI seja preciso sagrá-los no espelho de vaidades que a humanidade venera sem perceber.
Reificando o acordo tátil da experiência humana, Marcelo Brasiliense dá ao público uma pesquisa capaz de apresentar a beleza aos corpos tanto quanto às mentes que recebem as imagens. Talvez pela pluralidade de sensações, as peças deste artista conseguem fazer o público entender na colagem, um ato performático avultando-se. Não é a simples reunião de imagens e materiais diversos – não nos esqueçamos de trabalhos como Alquimia plástica (2019) – que dão forma à sua obra plástica. Em verdade, a coleção de gestos invisíveis que produzem as imagens diante de si é a ação artística do artista.
Os elementos dos trabalhos – sejam cola, glitter, imagens históricas, emojis ou outra qualidade de imagens efêmeras por natureza – são menos importantes do que a somatória em composição produzida pelo olhar de Marcelo Brasiliense. Uma pesquisa plástica intensamente associada ao suporte colagem em amplo sentido, um [sentido] muito maior do que a simples reunião daquilo que é diverso. Marcelo Brasiliense, talvez, esteja enquadrado dentro de uma tradição de artistas coladores que criam tanto os encontros, quanto as decomposições entre os sujeitos e o mundo: uma linha de pensamento capaz de fazer os passantes notarem as liturgias cotidianas inconstantes que dão sabor as repetições de todos os dias.
Texto:
Paulo Gallina
Fotos:
Gabriel Accardo